"Relação decidiu que afinal chamar "maluco" não é crime"
Dois dos três juízes do Tribunal da Relação do Porto que apreciaram o processo em que um reformado de Torre de Moncorvo fora condenado em 1.ª instância por chamar "maluco" a um vizinho, numa discussão, entenderam que não era crime. Um juiz de 1.ª instância e um juiz desembargador concordaram que um homem que durante uma discussão chama "maluco" a um vizinho deve ser condenado pelo crime de injúria. O caso subiu agora à Relação, onde se discutiu se "maluco" é um termo manifestamente ofensivo da honra e da dignidade humana. A maioria dos juízes que apreciaram o processo entenderam que não e o caso poderá ficar definitivamente encerrado. Se não houver recurso do Ministério Público, que também considerava configurar a expressão "maluco" um crime que deve ser punido.
O caso conta-se em poucas palavras: um homem de 70 anos, reformado, sem habilitações literárias, discutiu com um vizinho sobre uma dívida antiga. Durante a discussão, numa rua de Torre de Moncorvo, e sabendo que o vizinho tivera problemas psiquiátricos graves, chamou-lhe "maluco". O comandante da GNR da localidade ouviu e o caso seguiu para tribunal.
O reformado foi condenado na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, não tendo o tribunal considerado que a pena devia ser suspensa. "A expressão em causa é objectiva e subjectivamente injuriosa (...) a prova da verdade [que era efectivamente "maluco"] não vale nem exclui a ilicitude", sustentou o Ministério Público, dizendo depois que a pena de multa devia ser aplicada e não suspensa, conforme o arguido pretendia. "É a mais adequada a satisfazer as exigências de prevenção geral", assegurava o magistrado.
O juiz de 1.ª instância considerou da mesma forma que o arguido, ao chamar maluco ao vizinho, visou "ofender a honra e consideração do assistente", que teve como objectivo "envergonhá-lo e achincalhá-lo" e que sabia que a sua acção configurava um crime.
"Falta de civismo,de educação ou de cultura"
O Tribunal da Relação do Porto defendeu outra tese. Dois dos três juízes desembargadores explicaram que chamar "maluco" a alguém não é crime. Quando muito, asseguram, é falta de civismo, grosseria ou falta de educação ou de cultura. Mas não deixa de ser "uma expressão corrente, num contexto de acesa discussão".
"Não vemos como se pode depreender que em resultado dela a honra do ofendido ficou abalada ou diminuída", continuaram, assegurando depois que é próprio da vida existir alguma conflitualidade. "Fazem parte da estrutura ontológica desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses que causam grandes animosidades. Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes de forma exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação", disseram os juízes, determinando então a absolvição do reformado.
Mesmo assim, o terceiro juiz votou vencido. Disse, citando uma obra jurídica, que o termo "maluco" é objectivamente injurioso e comparou-o à expressão "idiota" ou "atrasado mental", termos que na sua óptica também configuram crimes.
Sublinhou ainda que não devia absolver-se o reformado, porque "a expressão em causa foi proferida em público, directamente dirigida à pessoa do ofendido e relacionadamente com o conhecimento que o arguido detinha relativamente aos problemas mentais do queixoso". Perdeu a causa e teve de votar vencido na decisão judicial.
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