terça-feira, agosto 16, 2011

A Responsabilidade Subsidiária Abrange as Coimas?

Recentemente foi divulgado na Comunicação Social uma notícia que referia ter sido emanado um acórdão, pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), o acórdão n.º 031/08 de 01-07-2009, que livrava os gestores e administradores de empresas falidas de pagarem coimas fiscais em razão da utilização para proveito próprio das retenções de IRS e IVA cobrado.

De imediato esta questão suscita surpresa na opinião pública, atendendo até à actual escassez de recursos públicos e à necessidade de afirmação de valores éticos, no entanto, com vista ao rigor que a situação exige, é necessário analisar o acórdão em causa e aferir da justiça ou não dos comentários que a notícia em causa desencadeou, nomeadamente por parte de agentes do fisco.

Indo, directamente ao cerne da decisão, verifica-se que é afirmado pelo STA que a responsabilidade dos devedores subsidiários (ex. administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas) pelas dívidas por coimas da sociedade originária devedora consubstancia uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas, daí não poder ser determinada a reversão destas dívidas.

Ora isso contende com o artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (“RGIT”), cuja epígrafe prevê – Responsabilidade civil pelas multas e coimas – e cujo corpo da norma, preceitua que “Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.”

Analisando esta questão, verifica-se que esta responsabilização prevista no artigo 8.º do RGIT, foi colocada em causa quando uma corrente jurisprudencial veio defender que “no domínio do ilícito contra – ordenacional, se deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, ainda que em termos de responsabilidade subsidiária, nos termos do artigo 8.º do RGIT, sendo este preceito legal inconstitucional por violação do disposto nos artigos nºs 18º, nº 2, 30º, nº 3 e 32º, nºs 2 e 10 da CRP”.

Para, além disso, e em ligação com a notícia que teve na base deste artigo, o acórdão de 27 de Fevereiro de 2008 proferido pelo STA (Processo 1057/07) sufragou o entendimento segundo o qual a declaração de falência equivale à morte do infractor, daí decorrendo a extinção do procedimento contra – ordenacional e, consequentemente, da obrigação do pagamento das coimas e da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva, sustentando ainda que a previsão normativa (constante do artigo 8.º do RGIT) relativa à responsabilidade subsidiária pelo pagamento de coimas dos administradores, gerentes ou outras pessoas quando relativa à administração das pessoas colectivas extintas enferma de inconstitucionalidade material.

Endossada a questão para o Tribunal Constitucional, este decidiu “Não julgar inconstitucional as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação”.

Considerando depois que “O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra – ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Pública e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra – ordenacional.” Não deixa de se considerar esta, uma rebuscada construção jurídica, que consegue justificar a exigência destes valores, numa óptica civilista.

Deste modo, o Tribunal Constitucional, considera que a responsabilidade subsidiária dos representantes legais assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra – ordenacional, mas um facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
Indicando que “É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil”.

Ou seja, “o que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra – ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas”.

Foi com este balizamento que o STA, veio analisar a questão, reformando o prévio acórdão, que defendia a inconstitucionalidade, indicando que: “a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária devedora é uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas. E a ser assim, como é, é patente que não pode haver reversão.”

Em simultâneo, é apontado que a cobrança destas dividas de responsabilidade civil não figuram entre as dívidas que podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, uma vez que tal cobrança não está prevista no âmbito deste processo, tal como é configurado este processo, pelo artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo de execução fiscal (“CPPT”).

Esta conclusão, acaba por colocar em causa a base da notícia aqui comentada, porquanto permite-se efectivamente o ressarcimento do Estado, contudo, não mediante a utilização das prerrogativas previstas no processo execução fiscal, mas sim, com recurso ao processo civil. Para, além deste facto, a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, prevista, enquanto princípio geral, no artigo 483.º do Código Civil, atribui o ónus da prova ao lesado, o Estado.

Nesta medida, é claramente um entendimento que visa a harmonização dos princípios jurídicos do sistema, observando-se, nessa medida, as garantias fundamentais dos administrados. Ou seja, com este acórdão do STA e na esteira do entendimento perfilhado pelo Tribunal Constitucional, impõe-se ao Estado, o recurso processual a uma acção cível, como ao cumprimento do ónus da prova. Resta aguardar pelo entendimento do Legislador.

Miguel Primaz
Advogado
Setembro, 2009

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