"As reformas estruturais na Justiça, para resultarem, não admitirão protagonismos mais ou menos vincados dos responsáveis governamentais, que, por pretenderem deixar os seus nomes a elas ligados, apressam-nas, ou, alcançando a titularidade da pasta, logo pretendem adoptar soluções distintas das encontradas pelos seus antecessores, não permitindo assim a consolidação das mesmasÉhoje habitual vermos, ouvirmos e lermos variadíssimos políticos, economistas, sociólogos, jornalistas, em suma, opinion makers, considerarem que o mau estado da nossa economia, e mais abrangentemente da nossa sociedade, se fica a dever grandemente à ineficiência do nosso sistema de justiça.
Será assim, ou antes deveremos entender que, para termos uma justiça eficiente, teríamos de ter uma economia eficaz?
É que a justiça não é uma ilha, faz parte dum todo e, por mais importante que seja, não lhe é exigível, de per se, um funcionamento desarticulado do todo em que se insere, do qual depende e que a condiciona.
Quer se parta duma perspectiva, quer de outra (mais parecendo a história do ovo e da galinha; quem precede quem), pelo menos num ponto estaremos todos de acordo - há que proceder a reformas estruturais na Justiça portuguesa. O actual sistema deverá sofrer alterações, de molde a torná-lo um verdadeiro veículo da modernidade, capaz de contribuir para o desenvolvimento de Portugal e de responder perante os cidadãos - todos eles - de forma eficiente. Quanto aos responsáveis pela situação actual (eles são múltiplos, desde o poder político que sempre considerou não ser a justiça uma prioridade na sua acção governativa - não dotando os tribunais dos meios indispensáveis para que pudessem responder adequadamente às solicitações que lhes foram sendo exigidas - aos magistrados, advogados e funcionários que ou por omissão ou por excesso de acção levaram - nalguns casos até com alguma arrogância - a uma perpetuação duma deficiente forma de fazer a justiça), importará nem absolver, nem condenar, antes consciencializar da necessidade da mudança.Este quadro deficitário e carenciado de importantes alterações estruturais conduz necessariamente a múltiplas reflexões, erguendo-se cada vez mais vozes avançando com estudos, ideias, projectos e meras opiniões, mais ou menos elaborados, mais ou menos encomendados.
Esta proliferação de propostas é por certo benéfica para a tentativa de desbloqueio do sistema e de ultrapassagem da sua ineficácia, sendo no entanto importante que as mesmas sejam objecto de uma discussão alargada, permitindo que sobre elas se pronunciem todos que sobre as mesmas possam ter opinião - concordante, discordante ou mesmo alternativa. Fundamentalmente importará que não se acolha acriticamente, sem discussão, uma qualquer alteração sistémica que por força das circunstâncias conjunturais do país se venha a assumir como posição dominante.
Com efeito, só dando a conhecer ao país, aos cidadãos, as diversas posições existentes sobre tal problemática será possível, em boa consciência e com foros de verdadeira honestidade intelectual, discutir todas as questões envolventes e escolher os melhores caminhos para a solução dos problemas da Justiça.
Face à eventual crítica de que a discussão só servirá para atrasar a resolução do problema, convirá lembrar que na Alemanha (tantas vezes citada como modelo a seguir) o novo Código das Falências demorou alguns anos a ser edificado, sendo objecto de profunda discussão e de variadas alterações até se chegar ao texto legislativo final, o qual, por sua vez, teve uma vacatio legis bastante alargada. Apetece aqui dizer que os denominados "países desenvolvidos" vão devagar porque têm pressa...!
Há que avançar nas reformas, tendo porém presente que passos mal medidos, pior, dados sem serem medidos, poderão representar um retrocesso (entupimento) no sistema, ao invés de contribuírem para a sua melhoria.
O respeito pela previsibilidade das condutas é um valor sagrado num Estado de direito, constituindo a estabilidade legislativa um importantíssimo baluarte da segurança do direito, veículo indispensável para um desenvolvimento sustentado de qualquer sociedade moderna.
Por tal razão, as reformas estruturais na Justiça, para resultarem, não admitirão protagonismos mais ou menos vincados dos responsáveis governamentais que, por pretenderem deixar os seus nomes a elas ligados, apressam-nas ou, alcançando a titularidade da pasta, logo pretendem adoptar soluções distintas das encontradas pelos seus antecessores, não permitindo assim a consolidação das mesmas.
É hoje possível encontrar diversos estudos jurídicos, sociológicos, económicos e de gestão (ignorando-se se outros mais), todos eles visando melhorar o sistema, senão mesmo alterá-lo radicalmente. De entre estes vêm emergindo com certa preponderância as denominadas "teorias economicistas" que preconizam a implementação dum sistema de gestão dos tribunais, radicado em modelos importados doutras áreas de actividade, designadamente da empresarial, ao mesmo tempo que tentam transpor para a nossa realidade nacional sistemas adoptados por outros países, muitas vezes detentores de orgânicas absolutamente distintas da nossa (a utilização de modelos existentes nos países da common law é um exemplo dessa importação).
Sejamos claros. Entendemos que têm de ser implementadas medidas reformadoras do sistema, o que desde logo implicará mudanças, algumas delas profundas. Admitimos mesmo que alguns instrumentos de gestão empresarial poderão e deverão ser pensados para serem adaptados à realidade específica da Justiça. Mas, na ânsia de se pretender resultados imediatos ou quase imediatos, poderá haver a tentação de acolher o que se faz lá fora, sem se estudar previamente as razões sociológicas e históricas que levaram esses países a adoptar esses sistemas de gestão e, pior ainda, a não se fazerem os necessários estudos sobre as eventuais implicações da sua implementação na nossa realidade específica.
Há, com efeito, que ter um cuidado muito especial na importação de modelos, pois que os mesmos encontram-se inseridos numa realidade global, tendencialmente harmónica com todo o sistema societário, pelo que a sua implementação parcelar num outro qualquer sistema poderá ter um efeito perverso, desadequado a essa distinta realidade. Igual atenção deverá ser prestada a quem - entidade colectiva, ou pessoa individualmente considerada - apresenta tais estudos, não por se duvidar da sua valia técnico-científica, antes sim por poder tratar-se de entidade desconhecedora da realidade prática que visa modificar, tendo da mesma apenas uma ideia teórica, desconhecendo consequentemente as inúmeras idiossincrasias que norteiam todo o mundo judiciário.
A grande maioria daqueles que sempre têm trabalhado no actual sistema tem consciência da necessidade de mudança, pois sabem que o cidadão português tem direito a uma justiça mais célere sem perda de qualidade. Simultaneamente sabem que, para que tal se verifique, a sua participação activa nas reformas a empreender terá de ser uma realidade, não podendo o futuro sistema ser confiado a uma classe universitária, certamente muito dotada, mas sem experiência de pleitear, advogar, acusar e julgar."
José Sousa Pinto (Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra) no Público Será assim, ou antes deveremos entender que, para termos uma justiça eficiente, teríamos de ter uma economia eficaz?
É que a justiça não é uma ilha, faz parte dum todo e, por mais importante que seja, não lhe é exigível, de per se, um funcionamento desarticulado do todo em que se insere, do qual depende e que a condiciona.
Quer se parta duma perspectiva, quer de outra (mais parecendo a história do ovo e da galinha; quem precede quem), pelo menos num ponto estaremos todos de acordo - há que proceder a reformas estruturais na Justiça portuguesa. O actual sistema deverá sofrer alterações, de molde a torná-lo um verdadeiro veículo da modernidade, capaz de contribuir para o desenvolvimento de Portugal e de responder perante os cidadãos - todos eles - de forma eficiente. Quanto aos responsáveis pela situação actual (eles são múltiplos, desde o poder político que sempre considerou não ser a justiça uma prioridade na sua acção governativa - não dotando os tribunais dos meios indispensáveis para que pudessem responder adequadamente às solicitações que lhes foram sendo exigidas - aos magistrados, advogados e funcionários que ou por omissão ou por excesso de acção levaram - nalguns casos até com alguma arrogância - a uma perpetuação duma deficiente forma de fazer a justiça), importará nem absolver, nem condenar, antes consciencializar da necessidade da mudança.Este quadro deficitário e carenciado de importantes alterações estruturais conduz necessariamente a múltiplas reflexões, erguendo-se cada vez mais vozes avançando com estudos, ideias, projectos e meras opiniões, mais ou menos elaborados, mais ou menos encomendados.
Esta proliferação de propostas é por certo benéfica para a tentativa de desbloqueio do sistema e de ultrapassagem da sua ineficácia, sendo no entanto importante que as mesmas sejam objecto de uma discussão alargada, permitindo que sobre elas se pronunciem todos que sobre as mesmas possam ter opinião - concordante, discordante ou mesmo alternativa. Fundamentalmente importará que não se acolha acriticamente, sem discussão, uma qualquer alteração sistémica que por força das circunstâncias conjunturais do país se venha a assumir como posição dominante.
Com efeito, só dando a conhecer ao país, aos cidadãos, as diversas posições existentes sobre tal problemática será possível, em boa consciência e com foros de verdadeira honestidade intelectual, discutir todas as questões envolventes e escolher os melhores caminhos para a solução dos problemas da Justiça.
Face à eventual crítica de que a discussão só servirá para atrasar a resolução do problema, convirá lembrar que na Alemanha (tantas vezes citada como modelo a seguir) o novo Código das Falências demorou alguns anos a ser edificado, sendo objecto de profunda discussão e de variadas alterações até se chegar ao texto legislativo final, o qual, por sua vez, teve uma vacatio legis bastante alargada. Apetece aqui dizer que os denominados "países desenvolvidos" vão devagar porque têm pressa...!
Há que avançar nas reformas, tendo porém presente que passos mal medidos, pior, dados sem serem medidos, poderão representar um retrocesso (entupimento) no sistema, ao invés de contribuírem para a sua melhoria.
O respeito pela previsibilidade das condutas é um valor sagrado num Estado de direito, constituindo a estabilidade legislativa um importantíssimo baluarte da segurança do direito, veículo indispensável para um desenvolvimento sustentado de qualquer sociedade moderna.
Por tal razão, as reformas estruturais na Justiça, para resultarem, não admitirão protagonismos mais ou menos vincados dos responsáveis governamentais que, por pretenderem deixar os seus nomes a elas ligados, apressam-nas ou, alcançando a titularidade da pasta, logo pretendem adoptar soluções distintas das encontradas pelos seus antecessores, não permitindo assim a consolidação das mesmas.
É hoje possível encontrar diversos estudos jurídicos, sociológicos, económicos e de gestão (ignorando-se se outros mais), todos eles visando melhorar o sistema, senão mesmo alterá-lo radicalmente. De entre estes vêm emergindo com certa preponderância as denominadas "teorias economicistas" que preconizam a implementação dum sistema de gestão dos tribunais, radicado em modelos importados doutras áreas de actividade, designadamente da empresarial, ao mesmo tempo que tentam transpor para a nossa realidade nacional sistemas adoptados por outros países, muitas vezes detentores de orgânicas absolutamente distintas da nossa (a utilização de modelos existentes nos países da common law é um exemplo dessa importação).
Sejamos claros. Entendemos que têm de ser implementadas medidas reformadoras do sistema, o que desde logo implicará mudanças, algumas delas profundas. Admitimos mesmo que alguns instrumentos de gestão empresarial poderão e deverão ser pensados para serem adaptados à realidade específica da Justiça. Mas, na ânsia de se pretender resultados imediatos ou quase imediatos, poderá haver a tentação de acolher o que se faz lá fora, sem se estudar previamente as razões sociológicas e históricas que levaram esses países a adoptar esses sistemas de gestão e, pior ainda, a não se fazerem os necessários estudos sobre as eventuais implicações da sua implementação na nossa realidade específica.
Há, com efeito, que ter um cuidado muito especial na importação de modelos, pois que os mesmos encontram-se inseridos numa realidade global, tendencialmente harmónica com todo o sistema societário, pelo que a sua implementação parcelar num outro qualquer sistema poderá ter um efeito perverso, desadequado a essa distinta realidade. Igual atenção deverá ser prestada a quem - entidade colectiva, ou pessoa individualmente considerada - apresenta tais estudos, não por se duvidar da sua valia técnico-científica, antes sim por poder tratar-se de entidade desconhecedora da realidade prática que visa modificar, tendo da mesma apenas uma ideia teórica, desconhecendo consequentemente as inúmeras idiossincrasias que norteiam todo o mundo judiciário.
A grande maioria daqueles que sempre têm trabalhado no actual sistema tem consciência da necessidade de mudança, pois sabem que o cidadão português tem direito a uma justiça mais célere sem perda de qualidade. Simultaneamente sabem que, para que tal se verifique, a sua participação activa nas reformas a empreender terá de ser uma realidade, não podendo o futuro sistema ser confiado a uma classe universitária, certamente muito dotada, mas sem experiência de pleitear, advogar, acusar e julgar."
Sem comentários:
Enviar um comentário